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A CORAGEM NECESSÁRIA PARA A DEMOLIÇÃO DO MINHOCÃO - Movimento Desmonte do Minhocão - MDM

A CORAGEM NECESSÁRIA PARA A DEMOLIÇÃO DO MINHOCÃO

Cidades

A coragem necessária para a demolição do Minhocão

Rosana Helena Miranda

Perfil · Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Professora Doutora na  Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

Estudou em Architecture and Urbanism College, University of São Paulo 1979

 

Está na hora de São Paulo avançar em obras que valorizem a área central

com enfrentamento da questão de mobilidade urbana e habitação social

Jornal GGN – 28/02/2019

 

          Além da coragem necessária para a demolição do minhocão é preciso visão integrada e urbanística de recuperação da cidade. A cidade de São Paulo no final dos anos 50 e década de 60 mudou sua feição de uma cidade única para aquela que seria a maior metrópole da América Latina. Nos anos 30, Caio Prado Jr já vislumbrava esse destino devido a vários fatores geográficos e ao processo de mudança da economia do café para uma cidade industrial.

          E com a metrópole vieram os problemas do adensamento sem planejamento, fruto da intensa industrialização desde o início do século até os anos 50 quando a indústria automobilística se instala no Brasil e começa o deslocamento do parque industrial para a região do ABCD. O boom rodoviarista marca as ações urbanísticas dos gestores municipais preocupados com o melhor desempenho do sistema viário congestionado. As fotos aéreas de 1954 mostram a última fase da cidade sem estes grandes complexos viários como o Minhocão. Nos anos 50 se estruturaram os bairros operários dormitórios na zona leste e o movimento pendular de transporte para o centro em busca do trabalho foi a marca desse período.

          O prolongamento da Avenida Radial Leste e do complexo de viadutos do Glicério que fazem o nó de ligação com o centro e com a zona oeste são concebidos nos anos 60. Em 1970 já durante a ditadura militar o então prefeito Paulo Maluf nomeado em São Paulo dá andamento à lógica de grandes obras viárias, sem o devido debate com a sociedade paulistana. Esse tipo de projeto foi de grande interesse das empreiteiras brasileiras interessadas em novas frentes de trabalho. É nesse contexto que se constrói o Minhocão.

          Foi uma obra bastante polêmica inaugurada em 24 de janeiro de 1971, logo depois no mesmo ano em 20 de novembro de 1971 ocorre o acidente com o elevado Paulo de Frontin construído pouco antes em 1969 na cidade do Rio de Janeiro matando 29 pessoas com a batida de um caminhão que rompeu o viaduto.

          Em São Paulo os congestionamentos eram um fator de perda econômica na cidade para os empresários e para os trabalhadores. As matérias de jornal traziam diariamente o transtorno da população e em 1967 o então governador Abreu Sodré trouxe do Rio de Janeiro o famoso Cel Fontenelle que causou muita polêmica em São Paulo furando os pneus dos carros pessoalmente das pessoas que estacionavam em locais proibidos. Nessa época a frota de automóveis em São Paulo era de aproximadamente 350.000 veículos. Fontenelle reformulou varias mãos de direção no centro criando rótulas e proibições de autos particulares em perímetros definidos, a chamada Operação Bandeirantes de melhoria do tráfego em São Paulo. Faleceu em julho do mesmo ano dando uma entrevista na TV.

          Hoje a frota total de veículos em São Paulo, segundo o DETRAN é de 8.861.208, sendo 6.201.101 só de automóveis. Se somarmos todos os veículos que circulam exceto os ônibus no total de 48.419 veículos em 2018 temos 8812789 veículos circulando sem a função de transporte público. Ou seja, a frota de 1967 não atingia 4% da frota de hoje.

          Mas, o sistema de transporte mudou, hoje temos uma grande parcela da população que se desloca pelo metrô, pelos trens, pelos ônibus e por ciclovias, sem contar que boa parte das viagens é realizada a pé. Mudou a mentalidade do paulistano sobre o transporte, todos querem mais metrô, o carro deixou de ter o status social e o transporte público oferece condições de segurança muito mais atrativas do que o automóvel.

          O metrô Leste-Oeste foi concluído no ano de 1988 e após isso novo sistema viário paralelo à linha e ao Minhocão como a Avenida Marques de São Vicente foi melhorada e serve ao centro. Ao lado leste tem a Avenida Celso Garcia e sua continuação já na Penha em direção a Ermelino Matarazzo cuja Avenida Assis Ribeiro corre paralela à ferrovia servindo a Zona Leste.

          Uma abordagem mais ampla em relação ao Minhocão deve levar em conta essas transformações da cidade. Quando foi construído o Minhocão provocou ao longo de sua história a desvalorização da Avenida São João e sua continuação em direção à Avenida Francisco Matarazzo, caminho histórico de São Paulo utilizado pelos bandeirantes no período colonial em busca do ouro em direção ao Pico do Jaraguá. Uma paisagem importante no resgate da história paulistana.

          Pelas mudanças ocorridas no sistema de transporte na cidade, pelas novas opções de ligação viária que surgiram depois dos anos 70 na cidade, pela obsolescência do Minhocão como solução viária tendo em vista que nos horários de pico o trânsito não flui mais e os carros ficam parados num andar acima, não há porque manter essa obra no futuro da cidade. Em que tempo se fará essa demolição é um problema de gestão de recursos e prioridades e decisão da população envolvida. No caso trata-se de uma obra que serviu a cidade toda e que, portanto sua demolição também interessa a todos.

          Outra alternativa que se coloca é o atraso de São Paulo em relação ao transporte de média capacidade que deveria ligar pontos intermediários ao metrô e à ferrovia. O eixo da Avenida São João e sua continuação caracterizam-se por serem avenidas um pouco acima da várzea do Rio Tietê e, portanto, são avenidas de topografia relativamente plana, motivo este que tornaria bastante adequado esse viário para receber uma linha de VLT no seu eixo no nível da rua. Não há porque fazer monotrilhos suspensos se temos um sistema viário que receberia um VLT exatamente nas mesmas avenidas onde o monotrilho se localiza. Fazer elevado só em pontos realmente necessários

          Esta sim seria uma marca positiva na gestão do atual prefeito em vez de querer remediar uma estrutura obsoleta num parque de uso incerto e de difícil acesso.

          Nossa tradição urbana coloca o uso da rua como a principal via de ligação do pedestre com a cidade. Nosso parque é rua.

          O parque que se pretende traz um modelo de Nova York com uma visão elitizada que desconsidera a existência de extensa população vulnerável socialmente moradora dos baixos do elevado.

           Certamente a recuperação da rua com um veículo leve sobre trilhos aproximaria novamente o uso dessa região da cidade recuperando e enxergando a população moradora com o olhar de quem cuida da cidade e de seus habitantes. A pergunta que se deve fazer é quem se beneficiará dessa obra, no caso a demolição?

          Mas, como é preciso coragem para a demolição de obras públicas, há que se abordarem os aspectos práticos dessa decisão. E o primeiro deles é colocar a recuperação de outras áreas em risco na cidade como prioridade, e fazer um debate longo e avançado pela demolição dessa estrutura que já não cumpre mais a função para a qual já foi construída, possui estrutura desmontável e geraria emprego no campo da construção civil como prioridade para enfrentar parte dos graves problemas sociais que a cidade enfrenta.

          São Paulo ao longo de sua história demoliu boa parte de seu patrimônio cultural construído, está na hora de demolir aquilo que enfeia a cidade e atravanca a modernização dos meios de transporte.

          A recuperação urbanística do centro do Rio com a demolição do viaduto da perimetral e a implantação gradativa do VLT e restabelecendo a vista da beleza da baía de Guanabara não completou seu ciclo de investimento nas questões sociais, mas certamente as futuras gerações vão ter outra relação com centro da cidade. Os moradores de diferentes classes sociais se apropriaram desse novo espaço público aberto, construindo identidades de uso.

          Está na hora de São Paulo avançar em obras que valorizem a área central com enfrentamento da questão de mobilidade urbana e habitação social como prioridade para humanização e recuperação da cidade e recupere o valor cultural do patrimônio histórico do período colonial e da grande cidade industrial que já fomos.

          É preciso visão integrada, histórica e estratégia de prioridades.

*Rosana Helena Miranda, professora da

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

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