Minhocão: escritor mostra as mazelas do famigerado viaduto

Minhocão: escritor mostra as mazelas

do famigerado viaduto

OPINIÃO

                                                                                Vizinho                                                                                            

           O elevado ainda era novato quando, num dia qualquer de garoa,

nasceu o nome de guerra: Minhocão

Por Luis Cosme Pinto

Escrito en OPINIÃO 

 9/3/2023

          Ou a roupa encolheu ou o corpo cresceu. Com pouco pano para tanta carne, o terno preto expôs os pulsos, estrangulou a cintura, grudou nas coxas. Óculos pesados e gumex em excesso também não ajudaram. Aos trinta e oito anos, o governador biônico de São Paulo parecia ter cinquenta.

          Nada demais, a estética pouco importava naqueles tempos estranhos.

          Sem pausas e apertando o microfone prateado na mão esquerda, o governador empilhou números.

          14 meses de obras.

          3 quilômetros de viaduto.

          300 mil sacos de cimento.

          70 mil carros por dia.

          37 milhões de cruzeiros.

          Estamos em 1969, o governador biônico de São Paulo é Paulo Salim Maluf.

          Vejo o jovem Maluf num documentário sobre a construção do gigante de concreto, ferro e asfalto: o Minhocão.

          A inauguração em 1971 entusiasmou donos de Simcas-Chambord, Fuscas, Opalas, que partiam de vilas distantes e até de Santos e de Campinas “só para dar uma volta com a família e conhecer o viaduto de pistas largas.”

          Na contramão, a obra sufocou a praça Marechal Deodoro e avenidas ajardinadas de Santa Cecília e Campos Elíseos.

          Mais foi menos.

          Mais barulho, menos verde.

          Mais fumaça, menos gente.

          Mais frieza, menos luz.

          A estrutura gigantesca impediu que o calor do sol iluminasse as calçadas e pistas lá embaixo. Era o início da deterioração de uma das regiões mais vibrantes de São Paulo, o centro. 

         (…) Minhocão, isso sim era nome. Filho legítimo da sabedoria popular.

          Sou vizinho do viaduto, ando nele por cima e por baixo. De bicicleta e a pé.  Se de segunda a sexta, a vista de carros é hostil para quem está nos prédios, de sábado a domingo olhar das pistas essas mesmas fachadas é se aventurar em outra cidade.

          (…) São testemunhas de uma cidade orgulhosa do centro com seus teatros, cinemas, cafés e gente, muita gente. Hoje, assim como o centro, os prédios estão sujos, quase todos pichados, mas ainda respiram. 

          (…) Num dia pista pra carros em outro passarela de gente, o Minhocão imita cidade. É traiçoeiro, escuro, poluído e, ao mesmo tempo, saudável, divertido, democrático.

          Ninguém sabe a data com certeza, mas já foi anunciado: o Minhocão será fechado aos carros. Pode virar parque, ser demolido ou desmontado.

          Alguns moradores querem parque, outros torcem para que o vizinho, simplesmente, suma. Os que vivem embaixo do Minhocão, em suas calçadas imundas, não foram consultados. O que diria a multidão abandonada de carroceiros, desempregados e mendigos sobre o destino do viaduto mais famoso do Brasil?                                    

*O escritor Luis Cosme Pinto é autor do livro de crônicas Birinaites, Catiripapos e Borogodó

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

https://revistaforum.com.br/opiniao/2023/3/9/vizinho-por-luis-cosme-pinto-132487.html

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